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capsula de memória

capsula de memória - kay okan

Afirmações de dentro do meu quarto, de mim para meu orí, pèlé ô, mojubá, modupé, mo fé ré, danço formas em movimento, estou perto de nascer novamente, o transe da brincadeira me ajuda a lembrar, eu sou o que está aqui, já não sou mais o que estará ali, por onde eu passei vibra em mim até hoje! Gosto de estar junto à ancestrais que são, e são eu também, elementais, me tornei ancestral, floresço e me fecho, fortaleço elos que me identificam, levanto voos, minhas raízes são grandes e tem pocado os laços das estatísticas de morte que tentaram amarrar sobre mim e a cada ano que passa, celebro! as cicatrizes que me permitem continuar, a doçura que não me deixa perecer, tenho agradecido até pelas dificuldades que não me deixam desistir, sou caminho, passagem, vou catando as frutas coração e ouvindo a sabedoria das pedras, deixo sementes, me torno semente e enterro quem já fui, cultivando amor, do ódio que despejaram em mim, fiz presente pro amor que ficará por esses caminhos, peço que continuem nutrindo amor, estou tentando manter o que aprendi enquanto conversava com as folhas e minha bisavó, nas infinitas tardes ensolaradas, embaixo do umbuzeiro, outro universo era possível, suas mãos calejadas tão sutis me faziam dengo e ela chorava, a dureza em fugir de uma senzala e ir parar em outra disfarçada não empredrou aquele coração, foi a única pessoa que sempre me enxergou, dizia   "filho, me ajuda a não deixar esse pé morrer" e essa missão era nossa, segurava as folhas como matéria tão preciosa para nossa existência, eu ouvia atentamente e não esqueci, nem das palavras ditas sem pressa, nem da azeda doçura do umbu que parece a vida pro lado de cá, nem do sorriso de alívio, escorada nos galhos mais baixos ela parecia guiar uma nave que me permitia viajar junto por entre constelações muito distantes da nossa, o chão cheio de sementes anunciava que a parte do umbu que as envolviam estava em nossas barrigas, ela tinha que voltar para o serviço que gritava bem alto pela janela "os pratos do almoço!" ela ia correndo como quem teme não por si, mas pelos mundos que gerou, eu saia correndo também, na mesma pressa, mas com outro destino, passava pelo oricuri, alecrim, dendê, siriguela, aroeira e mais uma infinidade de seres, passava por debaixo do arame farpado que ja estava frouxo de tanto que eu passava, com um balde de alumínio ia buscar água no açude que tinha do outro lado, na missão de não deixar morrer molhando nos dias mais secos as flores de fora e de dentro, naquela casa ela cultivou futuros por minha vó, pai e por mim, que prometi nunca esquecer de falar com as folhas, escolhi carregar comigo sementes, esperanças e abracei ser filho das águas, ao me assumir filhO perdi uma mãe, ao acolher minhas águas ganhei Iyá Ori, que me acalanta e fortalece minhas comunidades, odoyá me dá o que preciso para fazer brotar a diversidade de sementes que eu carrego e catei nessas andanças, algumas eu até gerei, enquanto fazia essas fotos eu chorei e parecia que tinha emprestado os olhos pra minha bisa chorar de novo, as lágrimas molhou o barro que envolvia as sementes e agora tem girassol crescendo no quintal

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